quarta-feira, 23 de agosto de 2017

A Ceia



Contando Conto

Conheceu Conceição. Comprovou coerência, constância no vigiar seu lar perfeito, alegre, limpo, percebeu reflexo.
Convexo.

Procurou alguém audaz, estritamente racional, encontrou em Racine, perfeitamente.
 Espelhadamente.

Empresária do amor achou em Leonor. 
Espelhou com rigor.

Sensibilidade que enleva e que atormenta, que cria, percebeu em Leonardo, efeminado.
Sentiu-o assemelhado.

Em Amanda enamorada adolescente, viu paixões eternas de vidas breves. 
Imagens leves.

Insensatez, alheamento, despreocupação, descobriu em Rocco, louco. 
Um foco óptico.

Retratou futilidade e luxuria e inveja e ciúmes na Fúlvia sem temperança. 
Semelhança.

Convidou-os para a ceia. A todos. Um a um chegaram surpresos, receosos. Eus, o mordomo introspectivo, recebeu e os acomodou numa sala de luzes várias, brilhantes, vibrantes; de poltronas confortáveis, escuras; de tapetes macios, vermelhos; de paredes completamente espelhadas, disfarçadas.

O conviver inicial é um analisar mútuo, silencioso, observado por Eus. 
O manifestar primeiro é de Rocco que inicia um rodopiar, mirando-se nos espelhos, que também atraem Fúlvia, que ajeita os cabelos e alisa o cetinoso vestido com as mãos, balançando pulseiras de ouro, reluzindo brilhantes e se pesquisa em todos os ângulos. Conceição ergue-se e, num andar flutuante, deslizante, sem leve ondular do tecido branco, discreto, de sua vestimenta simples, aproxima-se de Eus e queda-se a seu lado. 
Leonor languidamente sentada, pernas longas, perfeitas, generosamente expostas, cruzadas, principia um proclamar de seu viver. 
Empertigado, dentro de um terno cinza de talhe perfeito, Racine é só movimentar dos olhos e da expressão facial com o olhar perdido nas infinitas imagens refletidas.
Amanda inicia um entoar de hinos de amor que encanta Leonardo, que procura achegar-se de Fúlvia ou de Leonor, que o repelem. 
Leonardo chora. 
Conceição, intimidada, esconde os dedos sem anéis, consola Leonardo e com o olhar recrimina Fúlvia e Leonor. 
Leonardo chora. 
Racine desdenha Leonardo, debocha de Amanda, aprova os atos de Leonor, dirige olhares insinuantes à Fúlvia e ignora Rocco e Conceição. 
Leonardo chora ... Leonardo insensível. 
Amanda adormecida. 
Fúlvia moderada. 
Rocco plácido. 
Leonor fenece. 
Conceição inconsciente. 
Racine alienado. 
Eus pálido, cai sobre o tapete, desfalece aflito. 
Conflito...

E ela assiste, na sala contígua de parede transparente com visão absoluta, mas oculta, deitada placidamente sobre almofadas lilases. 
Análise... 

E os vê credores, nos espelhos reveladores. Fixa o olhar no Eus combalido, esquecido, que inicia um despertar abatido. O Eus servil, eternamente presente, internamente solvente, ergue-se energizado pelo dever e, retorna o Racine racional, o Leonardo sensibilizado, a consciência à Conceição, a insensatez à Rocco; rejuvenesce o amor lucrativo de Leonor; futiliza Fúlvia; acorda Amanda enamorada. Eus sabe que ela os quer exatamente como são. E os inebria com vinho e licor.
Interior...

Cerimoniosamente, Eus abre as portas camufladas nos espelhos, os guia até a mesa da ceia, distribui seus lugares. Pede licença com mesura e retira-se. Minutos após, retorna antecedendo Eva e a escondendo com seu porte até alcançar a cabeceira da mesa, quando todos a veem e, admirados, rendem-se identificados.
Harmonizados...

Eva cumprimenta-os com sorrisos. Eus ajuda a sentar-se. Com um gesto, Eva sinaliza-lhe o iniciar da ceia. Eus serve a todos com a mesma gentileza. 
Eva observa Conceição conversar brandamente com Fúlvia, 
Racine doar instantes de razão a Rocco e incentivar Leonor sob o olhar atento de Conceição. 
Eus enche as taças com vinho.
Leonardo e Rocco trocam experiências. 
Amanda e Leonor encontram afinidades. 
Rocco e Fúlvia se entendem. 
Conceição e Eus – atração espontânea – conversam. 
Eus serve vinho. 
Eva, anfitriã agora assumida, ergue a taça e brinda seus amigos. 
Eus serve vinho. 
Eva sorri. 
Eus serve vinho. 
Eva viva. 
Eus serve vinho.

AVE EVA ...


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